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quarta-feira, agosto 27, 2003

Da morte e suas penas 

E de repente ficamos parados, boca entreaberta, um pingo de suor frio deslizando espinha abaixo perante a brutalidade que, literalmente, bateu à porta das Nações Unidas no Iraque.
E ali ficamos patéticos, pensando horrorizados que tal desastre não podia ter acontecido, tal desastre não tem lógica nem justificação.
A O.N.U.!? Mas então não era suposto estarem estes homens e mulheres a ajudar na recuperação do maltratado país depois da aventura bélica do Texano!?
Não faz tal hediondo acto lembrar o canídeo que morde a mão que o alimenta!?
É possível que isto tenha acontecido à maioria de nós, que tenhamos não só feito tais interrogações, como, e mais importante ainda, tenhamos de repente acordado da anestesia que nos vai permitindo conviver de tal modo com tais atentados que já nem ligamos nada, nem a cabeça levantamos quando acontecem.
Pois é, e reagimos a este porquê? De repente passou a anestesia que, curiosamente, aposto se manteve quase de certeza em relação a um outro que matou, no mesmo dia, algumas dezenas de pessoas em Israel a avaliar pelos próprios telejornais e ao tempo dado a cada um deles.
Porque, para além de se tratar das Nações Unidas, de repente saltou dos meios de comunicação um nome que Portugal bem conhecia, de quem gostava, até por nos ter ajudado a resolver um trauma, ou complexo se preferirem, chamado Timor.
É neste contexto que Ramos Horta disse o que disse.
É assim a vida, um ano Prémio Nobel da Paz, no outro a favor da pena de morte, ou pelo menos a jurar não mexer uma palha para tentar livrar alguém desse triste fado, segundo as suas próprias palavras.
E no entanto não consigo vislumbrar neste desabafo a incoerência que à primeira vista poderia ser sugerida, já que tais afirmações foram feitas ainda a quente, logo após o brutal atentado que assassinou Vieira de Mello, com mais coração do que razão.
Pois que tudo isto vai abalando as nossas convicções, aquilo por que nos batemos e em que acreditamos, ao ponto de um pacifista, quanto mais não seja por ter sido laureado com tal prémio, renegar em público o essencial do prémio concedido.
Eu próprio sinto nestas ocasiões uma raiva invadir-me o corpo todo, a tal ponto que por momentos me sinto a ter pensamentos semelhantes aos do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor Loro Sae.
Mas quando esfrio sou levado a pensar e acreditar que a pena de morte não resolve este problema do terrorismo internacional.
De facto o alucinante ritmo a que os atentados acontecem, a maneira aparentemente fácil de as explosões se irem dando um pouco por todo o lado, a facilidade desconcertante como se morre em Israel ou na Palestina, o à vontade com que um qualquer leva umas dezenas de infelizes com ele, em actos tresloucados gerados pelo ódio cego e implacável, não se quebram uns nem se complicam outros, lançando mão da pena de morte.
De que valeria tal? Por cada um destes assassinos mortos dez se levantam, como se gerados espontaneamente.
Como se, já que para mim a geração não é de facto espontânea, pois tem nos falcões da política internacional os pais, e bem extremosos por sinal.
E que, sobretudo, não vacilam assim nas suas opções, residindo aí o principal busílis, não deixando que as suas convicções, e que convicções, sejam abaladas, nem à lei da bala.
São os casos, por exemplo do Texano cowboy e do Fat General, que pensam que parir um road map para a paz é como comer um hot dog, a gente pede e é logo servido, acompanhado o dito com generosas quantidades de mostarda e ketchup.
Esquecem, estas avantesmas que, não estão em Hollywood, não se trata da ducentésima primeira fita do Rambo, não, lá para as bandas de Jerusalém corre sangue a sério, e a mostarda há já muito que chegou ao nariz dos Palestinianos.
No Iraque quer queiramos quer não houve uma invasão, ainda por cima baseada em mentiras que agora estão a sair caras politicamente ao aliado britânico, que tinha como objectivo muito concreto o petróleo.
E sempre foi assim ao longo da história recente, e não só os Estados Unidos verdade seja dita, todos eles, os grandes e poderosos fizeram apodrecer aquela região, como por exemplo a França de Giscard D’Estaig, Chirac e Miterrand, que vendeu tecnologia nuclear ao Irão e ao Iraque em episódios dignos de qualquer boa ficção, contribuindo de forma demoníaca para o atiçar dos ódios entre aqueles países.
Urgente é de facto deixar de tentar a paz com base no ódio.
Não deitar mais lenha na fogueira deste ódio insano que vai consumindo povos, e roubando vidas como a de Sérgio Vieira de Mello.
Enquanto não for cortado o ciclo diabólico do mataste um vou matar três nada fará parar a carnificina, muito menos a pena de morte.


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